segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

ETIQUETAS : Jorge de Sena , Manuel Carlos

Manuel Castro - carta e ultimo  poema
provavelmente de amor

Se para o mundo , acreditando
na sua eternidade , podemos dizer :
não há morte nem principio para
o amor , efémero como homem ,
há começar e acabar .

O seu fim tanto è material de dor
como alivio ou desencanto .
Esta simbiose emocional encontra

na poesia vasto eco , reflectindo
vivências  particulares a que a pugência
expressiva acrescenta por vezes dimensão
 avassaladora , qual seja o exemplo dos dois
poemas de Manuel Castro ( 1934 - 1971 )
na sua trabalhada contenção verbal







domingo, 26 de fevereiro de 2017

A SOMBRA

A sombra carregará
os meus sentidos

de distância
como se tudo

fosse o cheiro
que as ervas
pugentemente perdem
atravès do silêncio


A SOMBRA DA MORTE

a cabeça ficava marcada
invisível , mas quando me
deitava de costas na escuridão ,
sentia uma queimadura na
têmpera , a crosta a ferver
de baixo  , da nuca à testa
interpretava como uma
cicatriz que me acompanharia
atè a morte , o emblema de uma
guerra assombrosa de que jà

esquecemos os pormenores
e o sentido .

Estava ali , ficava ali para
sempre , confundia - se
indissoluvelmente com
o destino .

No entanto , essa marca
garantia que eu era livre ,
fundava nela ( ... )

o meu destino seria
dai em diante irredutível ,

não me sujeitava a nenhuma
regra  alheia ( ... )
porque o prestigio da poesia
è menos ela não acabar nunca
do que propriamente começar
( ... )
vivemos demoniacamente toda
a nossa inocência


Herberto Helder , o poeta que nunca se deixou capturar

Genial , misterioso , visionário ,
trabalhador incansável das metáforas
e dos símbolos , Herberto  Hélder
morreu de ataque cardíaco numa fatídica
noite de uma segunda - feira , deixou pronto
um livro antes de partir .

O celecanto , peixe fabuloso cuja existência
se equilibra entre a realidade e a ficção ,
procurado por cientistas loucos , entrou

para ficção portuguesa  pela
mão de Herberto Hélder
nesse singularìssimo

Os Passos em Volta .
Foi a sensivelmente
a 54 anos .

Hoje sabemos que
o calentano era ele ,
o prestigioso poeta
que mergulhou
totalmente no temível
poder da palavra e
nunca se deixou capturar

Sò lhe falta saber tudo
Sò lhe falta a mulher
para morrer com ele ,

a mulher que hà nele
no fundo ,
a morta nele que de
noite , ressuscita ,

e pelo dia todo
de cada dia da terra
lhe rouba a alma o
ceptro .
O segredo de ser Senhor
de tudo

Há quase três anos ( 1930 - 2015 )
dava - nos este poema no dilacerante
e polémico A MORTE SEM MESTRE ,
o livro trabalhado para desfazer o mito
onde tantos o queriam encerrar

- como se soubesse que as palavras
que ali dizia eram as últimas , o maior poeta
português desde Fernando Pessoa fez o que
 sempre fez ; baralhou , lançou a confusão ,
recusou - se a ser o que queriam  que ele
fosse .

Numa fatídica noite de segunda - feira ,
um ataque cardíaco levou o bardo -
sabe - se que ele deixou pronto um
livro antes de partir editado pela Porto
Editora .










SONETO

segredo

Revelo - vos um segredo
num soneto , Inês a bonita
inimiga ;

mas por uma boa ordem
que eu siga na mesma ,
pode não ser no primeiro
quarteto .

Vendo o segundo , prometo - vos
que não irei passar sem lhes dizer ;

morre feito , Agnes , uma formiga ,
estão a sair oito versos oito do soneto

Pois que Agne ordena o destino duro ,
que tento o soneto na boca a ordem
decido jà estudada ,

eu disse a todos os versos
e descobri que pela mente
que desempenhas um soneto ,
Inês , está terminado



A DIFICIL ARTE DE EXPRESSÃO EM SONETO SEGUNDO BALTAZAR del ALCÀZAR

A  difícil arte  de expressão em soneto
segundo Baltazar  del Alcàzar

Volto à difícil arte do soneto
com uma das primeiras
brincadeiras sobre a dificuldade
de expressar em soneto uma
ideia  , duas sentimento ou
acontecimento , na rigidez
da  sua forma rimada
em quatorze versos sílabas ,


com a exigência adicional
de exposição ,  desenvolvimento ,
e conclusão do assunto .

Já antes aqui no blog , no artigo ,
dei conta de alguns exemplos
e considerações a este propósito ,
com o destaque especial do soneto
de Baltazar del Àlcazar ( 1530 - 1606 )
no qual o poeta tenta , sem conseguir
antes que o soneto acabe acabe ,
expressar um segredo a sua bela
inimiga Inês .

Bela inimiga seria , no contexto
poético do tempo , uma mulher
desejada que não respondia ao
assédio desse desejo  ,

sendo o soneto a época uma
privilegiada forma o desejo
amoroso , tal está subentendido
no segredo que o poeta quer
contar e não consegue .

Temos pois com este exercício
poético a ironia de escrever um
soneto sem assunto , continuando
em silêncio o desejo que o poeta
pretendia expressar .

A Inês , e com Inês , tem o poeta
alguns deliciosos poemas burlescos ,
que certamente trarei ao blog noutra
ocasião . Por agora a brincadeira poéticas
 à volta de expressar o desejo amoroso
escrevendo um soneto :

SONETO


Decidi  revelar - me em soneto
o meu segredo , Inês bela inimiga ;

Mas por mais ordem que ao fazê - lo
eu siga , não pode jà caber neste
quarteto .

Chegados ao segundo , vos prometo
que não se há - de passar sem que eu
os diga ;

Mas estou feito , Inês uma formiga
que tonta gasta  os versos do seu
soneto ,

conto  - lhe os versos todo , e hei
notado que , pela conta que o soneto
toca , jà este meu , Inês , vai acabado .


Tradução de Jorge de Sena
Transcrito da Poesia de  26 séculos ,
antologia , prefácio e notas de Jorge
de Sena , edição fora do texto , Coimbra ,
1993





Da Grécia antiga , um Hino ôrifico à noite em versão de Herberto Helder

Da Grécia Antiga , um hino Òrfico
à Noite em versão de Herberto Hélder

Apenas a Noite , material ou simbólica ,
nos permite o encontro connosco na
verdadeira intimidade do Eu .
Da aproximação do Eu  à Noite deram
conta os poetas : Fernando Pessoa , Álvaro
de Campos com o poema  Enxertos de Duas :
Vem , Noite antiquíssima idêntica ,

...  deu - o de forma genial , tal
como Genial è a versão de Herberto
Hélder para um Hino à Noite  vinda
da Antiga Grécia Felicidade e Encantamento ,
Rainha  das vigílias , Mãe do Sonho , / .. , e
que a seguir transcrevo .

Este poema , entre outras leituras , torna
claro o apelo à harmonia que a A Noite
Permite ... / escuta , ò indulgente Antiga ,
a imploração Terrena , / e aparece com o
Teu Rosto Obscuro e Lento no Meio dos
Vivos Terrores do Mundo .

Outras menos encantadas inovações
à noite haverá , mas não deixo de referir
ainda mantendo - me na poesia em
 português , o genial poema de Antero
de Quental , Per Amica Silentia Lunae :

Eu amo a Noite às horas sossegadas / ... ,
recolhido  no volume póstumo / Raios
de Extinta Luz .


Versão de Herberto  Hèlder
Transcrito de Rosas do Mundo ,
2001 Poemas para o Futuro ,
Assirios & Alvim




HINO ÒRIFICIO À NOITE

Cantarei a criadora dos homens
e deuses   - Cantarei a Noite .

Ò forte  Divindade ardendo as
estrelas , Sol  Negro .
invadida pela Paz e o Tranquilo
e múltiplo sono , e consoladora ,
onde as misérias repousam as
campânulas de sangue ,

Ò embalador cavaleira , luz
negra , amiga geral ,

Ò incompleta , alternadamente
 terrestre e  celeste ,


Ò arredonda no meio das forças
tenebrosas , leve afastando a luz
da casa dos mortos e de novo
te afastando tu própria .

A terrível fatalidade e a mãe
de todas as coisas , ò noite
maravilhosa , constelação
calma , ternura secreta do
tempo , indulgente
antiga , a imploração terrena ,
e aparece com o teu rosto
 obscuro e lento no meio
dos vivos ternura do mundo .



Vicio da poesia

LUA

A Lua traz - me o teu sorriso
como vens do paraíso ,
admiro a tua beleza ,
vejo  a destreza que
tens

Observo - te num vai
vem
por pareceres ao céu
um canto

um desenho na tela
em que admiro por
inteiro

ligeiramente  amo - te
que inveja sinto ,

tocas onde eu não
posso , tocar

transformas o nosso sonho ,
ò lua que espelho deste , o
mundo a porta do além , a
pulsação tranquila do mar
ao meio dia
o universo que estremece
a paisagem solitária .



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

MULHER

Estás profundamente
na pedra
e a pedra em mim

Ò urna salina
imagem fechada
em sua força e pugência
e o que se perde em si
como espírito de música
estiliado em torno de violas


a morte que não beijo
a curva incendiada
que se derrama
na intima noite e
o que se perde dei
de ti

a minha voz se
renova
mas estilo de
prata viva






quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

PROFUNDO

Estes  profundamente
na pedra
em mim e a pedra
em mim

ò salina
imagem fechada
em sua força e pugência

e o que se perde em si
como Espírito de musico
estilado em torno estilado
em torno de violas
a morte que não beijo
a erva incendiada
que se derrama na íntima
noite

o que se perde o que se
derrama na intima noite
o que se perde
dei - te de ti
e o que quase se perde
de ti
a minha voz se renova
mas estilo de prata
viva



FORMA DE VENTO

Se te prendessem
minhas formas de vento
na cavada pura

eu estou no fruto
dormissem em minha espuma
que frescura indecisa
ficaria em minha mão ,
no meu sorriso ?
da minha boca

e serás uma árvore
a dormir e a acordar
no meu sangue onde existe



OLHOS

Beijar teus olhos
será morrer pela
esperança
ver no aro de fogo
de uma  entrega
a tua carne
de vinho roçada
pelo espírito de Deus
serà criar - te para luz
dos meus pulsos
e instantes
do meu perpétuo
instante

Eu devo rasgar
a minha face

para que a tua
face

se encha se encha
de de um minuto
sobrenatural devo
murmurar cada coisa
do mundo
atè que seja o incêndio
da minha voz




AS ÀGUAS

AS ÁGUAS

As águas que um dia
nasceram onde marcaste
o peso da jovem carne
aspiram longamente a
 nossa vida as  sombras
que rodeiam o êxtase ,
os bichos que levam
o instinto ao fim ao
instinto expresso
no lodo seu bárbaro
 fulgor , o divino impresso
no lodo , a casa morta , a
montanha inspirada , o mar
os centauros de crepúsculo
- aspiram longamente a nossa

 vida .

Por isso è que estamos
a morrer na boca um
do outro por isso nos
desfazemos no arco
do verão , no
 pensamento da brisa ,
no sorriso , no peixe ,
no cubo , no mostro
aberto - no amor mais
terrível do que a vida .







BEIJO

Beijo

Beijo o degrau
e o espaço
o meu desejo
traz
o perfume da noite
murmuro os teus cabelos
e o teu ventre , ò mais

nua e branca das mulheres
correm em mim o a cânfora ,
descubro as tuas mãos
a tua boca ergue - se
ao circulo ardente
do  meu pensamento

onde està o mar ?
aves bêbadas e puras
que voam sobre o teu
imenso sorriso
em cada espasmo
eu morrerei contigo




terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Amados Cavalos

Oh amados cavalos
com flores de giesta
nos olhos novos
casas de madeira
dos planaltos
rios imaginados , espadas
danças , superstições , cânticos
coisas maravilhosas da noite
ò meu amor  em cada espasmo
eu morrerei contigo


AO VENTO

Peço ao vento :
traz do espaço
a luz inocente
das urzes ,
um silêncio ,
uma palavra ;

traz da montanha
um pássaro de resina
uma lua vermelha



DESCERRO AS MÃOS

À alegria diurna
descerro as mãos

perde - se entre nuvens
e arbustro
o cheiro acre e puro
da tua entrega


bichos inclinam - se
para dentro do sono
levantam - se rosas
respirando contra o ar

a tua voz  canta o horto
e a àgua
e eu caminho
pelas ruas frias
com o lento desejo
do teu corpo

beijarei em ti a vida
enorme , e em cada
espasmo eu morrerei
contigo


MULHER

Mulher

ò pensada corola
de linho ,
mulher
que a fome
encanta pela
noite equilibrada ,
imponderável
- em cada espasmo
eu

morrerei
contigo


VIDA

A vida inteira , sobe
do meu coração ,
o povo renasce ,
o tempo
ganha a alma
o meu desejo
devora a flor
do vinho
envolve as tuas
ancas
com uma espuma
de crepúsculo e crateras



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

PROCURA - SE

Procura - se um emprego
pode ser de caçador de cometas
empilhadora de estrelas
ou restauradora do brilho
da lua que possa retocar
as cores do arco - Íris
e ampare as barbas do Noel
que faça pose para o Da Vinci
que ensine púberes borboletas
o beabe  do bater  das asas e ao
vento como assobiar deveras
baixinho

tenho óptimos precedentes !
procura - se urgentemente
um emprego
posso ser sonhador , mágico
- Ilusionista


Se houvesse degraus na terra

SE HOUVESSE DEGRAUS NA TERRA

Se houvesse degraus na terra
se  tivesse anèis o céu ,
eu subiria os degraus
e aos anèis me prenderia .
No céu podia tecer uma nuvem
toda negra , e que nevasse , e
chovesse , e houvesse luz nas
montanhas , e a porta do meu

amor o ouro se acumulasse .

Beijei uma boca vermelha
e a minha boca  tingiu - se ,
levei um lenço a boca
e o lenço fez - se vermelho .
Fui lava - lo na ribeira
e a água se  tornou rubra ,
e a fímbria do mar , e o meio
do mar , e vermelhas se volveram
a asas da águia que desceu para
beber , e metade do sol  e a lua
inteira se tornou vermelha .

Maldito seja quem atirou uma
maçá , uma mantilha  de ouro e uma
espada de prata .

Correram os rapazes a procura da espada
e as raparigas correram procura da mantilha ,
e correram , correram as  crianças à procura
da maçã

Herberto Helder







FONTE I

FONTE  I

Ela è a fonte , eu posso
saber que è a grande
fonte em que todos
pensaram
quando no campo
se procuravam o trevo ,
ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures
na paz da treva
da terra o urdir do tempo ...
Cada um pensava na fonte .

Era um manar secreto
e pacifico .
Uma coisa milagrosa
acontecia ocultamente .

Ninguém falava dela ,
porque era imensa .
Mas todos a sabiam
como a treta .
Como o odre .

Algo sorria dentro de nòs ,

Minhas irmãs faziam -  se
mulheres suavemente .
Meu pai lia
sorria dentro de mim
uma aceitação do trevo ,
uma descoberta muito casta .
Era a  fonte .

Eu amava - a  dolorosamente
e tranquilamente .

A lua se formava com uma
ponta subtil de ferocidade ,
e a maçã tomava um principio
de esplendor .

Hoje o sexo desenhou - se
o pensamento perdeu - se
e renasceu .
Hoje sei permanentemente
que ela è a fonte .

Herberto  Helder





Os teus olhos

OS TEUS OLHOS
são a pàtria do relâmpago
e da lágrima ,

o silêncio que fala ,
a tempestade sem
o vento ,

o mar sem ondas ,
os pássaros presos ,

douradas feras
adormecidas
os topázios
ímpios
como a verdade ,

o outono numa clareira
de bosque
onde a luz canta no
 ombro de uma árvore
e as folhas
são todas pássaros ,

a praia que amanhã
constela de olhos .
a mentira que alimenta
os espelhos deste mundo ,
a porta do além ,

a pulsação tranquila
do mar ao meio dia
o universo que estremece
a paisagem solitária

In liberdade sobre a palavra









domingo, 19 de fevereiro de 2017

Silêncio

Silêncio

sò  no silêncio ,
cercado pelo som
brusco do mar ,

quero dormir
sossegado ,
sem nada desejar


quero dormir
sossegado ,
sem nada desejar ,

quero dormir
na distância de um ser
que nunca foi seu ,

tocado do ar
sem a fragrância
da brisa de qualquer
cèu




A Lua

a lua traz - me o teu
teu sorriso
como vem do paraíso ,

admirando a sua beleza ,
vejo a destreza , que tem

observo
num vai vem

por pertenceres
a ela

uma carta
um desenho na tela

que te admira
por inteiro

ligeiramente amar - te
amo - te

que inveja sinto
da lua
que te desenha

toca - te
onde eu não
posso tocar - te ,

transformar o nosso
sonho ,

ò lua
que de mim
levas

cuida dela
e não a percas

traz - me
de volta

à minha cama ,
quando o meu coração
a ela reclamar ,

leva - lhe um pouco
do meu amor ,
trà - la  para mim
sem pudor !

deixa - me a ela
pertencer

deixa - me ser eu
a escolher


sábado, 18 de fevereiro de 2017

Pergunta - me

Pergunto - te se me souberes responder
Não preciso de sofrer
Sofrer mais
já è demais
mas demais nunca
è morrer

Responde - me
quando nada te perguntar

quando nada estiver certo
quando nada estiver certo

quando eu não souber
se estás longe ou se estás
perto  

Envolve - me
num mundo mundo
turbulento

onde tudo è violento
e já não há expectativa

agarras - me para não me deixares
cair quando for tão indiferente

Onde não há  vontade para rir
e acontece tudo tão de repente

violas - me
porque não sei me defender
sou pequeno demais para tal



domingo, 5 de fevereiro de 2017

BEIJO

BEIJO


Sò depois
de te beijar
uma criança

te  pede
um beijo
para distinguir

a inocência  o desejo




AGUARELA

AGUARELA


Sâ mulher
linda inocente
criança leve
poda breve
não se oferece
uma flor vã
a flor que và
dà - se - lhe mão
à terra seca

para semente
com lágrimas
regar bravias
raìzes únicas
a uma mulher




Caminhando

Caminhando

caminhamos celebrando
a nossa leveza ,
passamos brevemente
pelo mundo

a  eternidade  não  a levamos
nos  passos è a nossa distância
que è eterna

e nada encontramos  para alèm

do instante

fica de  nòs o que sò
nòs soubemos percorrer
e transformar e por onde
antes ninguém  passou

choramos de consolo
e gratidão ao limparmos
as chagas de nossos
pès .




LIBERDADE

Como um  pássaro
a palavra liberdade
não consegue achar
o seu sentido

e de novo se  perdeu
por prisões ivisìveis
distraída na parte que cabe

a cada homem
e a sua empresa
morreu

tão perto de ser
comprida
ali na  mesa

onde sempre comemos
e traçamos os nossos
planos

e amos como monstros .

A palavra  liberdade
e a sua luz total
ali à beira dos nossos
olhos se perdeu

depois que a trouxemos
inteira
no seu canto

e que a tivemos como um
presente inesperado em volta
de nossas mãos

e  esquecemos como a mobília
de todos dias obrigados a seguir
convenções e as leis do universo
em frente de nossos olhos se perdeu

agora o que resta dela não chega
para lembrar um tempo em que
a palavra liberdade cabia  na boca
e cada um como um fruto

e que os homens com desprezo
imobilizaram cada hora
com a mesma de e tecer
um poema manual

um  poema sem arquitectura
onde o arado caminhasse
como vento
sempre para o mesmo lado
porém com o sentido de sua
deriva     .





sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Recado

Fomos namorados há vinte
anos e todas as manhãs
à procura das palavras de
ontem à noite, julgàmo -
- las pousadas à tarde
em cima da mesa onde
era costume trocarmos
de livros ao sol ou frutos

com o frio , corremos a

casa o bosque e nada ,
sò um silêncio estranho
sem vento ou fùria a
forçar as frestas às janelas ,
a bater com as portas , a

memória dos sonhos a diluir
 - se no adormecer e acordar
tumultuosos que nos percorrem
um sono longo e difícil , uma

luz sem razão , uma sombra
de ninguém , um elo seco
sem sentido e caminho ,

um brado animal de estar sempre
tudo fora do sitio , embora a mão ,
localizando o caos perto , a alegria
solitária de irmos longe fazer a
cama um ao outro , e descobrir
tudo là guardado estimado e
palpável

ali debaixo , como um segredo
a chamar - nos de propósito ,

como o primeiro som de uma
criança a sair do ùtero , a
última sílaba ávida , nua
para  partida ou chegada ,
um abraço de abrir o corpo
e fechar o reencontro .


O Livro

O livro em que eu toco
oculta os maiores segredos
e com eles esgotarei o meu
desejo para sempre por isso
o projecto como a um filho
e velo como a um deus .

O livro guarda um discurso
sensato e justo e os seus
 ensinamentos prolongarão

no mundo a ordem recta
e farão cumprir a unidade
das coisas todas pois a
sua leitura reunirá todas
as leis dos povos para

que não possam triunfar
umas sobre as outras
e apresentará a frente de
 todas as leis dos povos

para que não possam
triunfar umas sobre
as outras

e apresentará à frente de
todas a mais fraca porém
a lei dos povos  a lei que
não distingue nem divide .

Não entrarei no livro como
 um estranho as palavras que
 ele disser eu as direi

minha voz sacrificarei para
engrandecê -lo ainda mais
e a música que se ouvir

eu a libertarei do átrio
do meu peito

o livro fala das coisas
como senão existissem

e as conhece e as protege
como a um rebanho

tal como quem ao olhar
invocar o seu nome
participa de seu secreto
ser

o livro está próximo
de ser a minha residência
por isso inclino o meu rosto
à sua presença

e antes de o habitar prefiro
ficar calado diante dele

atè que me torne semelhante
à humilhação

o livro ainda não o escrevi
e por cima de mim passam
os dias quanto o esperam .



O TEMPO

Devagar desfez  - se
a tarde o novelo
das sombras as horas
mortas compõe o
silêncio

ininterrupta a disciplina
do bicho - da - seda
ròi o tempo e faz do tempo


outro tempo a multiplicação
do tempo

música e matemática
são uma coisa milimètrica

dizer è falar sem compreender
a vida não è uma meta

Penèlope adormece
bela è a palavra
 nada


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Olho as coisas

Olho as coisas
em segredo

mas vejo
por dentro
delas

e toco- as
em silêncio


faço curta a distância
das coisas

entre mim e elas
nego os  espaços

e prendo - as como
a águia faz do alto

aos mais pequenos seres

eu e  as coisas enfrentamos
o mesmo instante

somos uma mesma presença
fundida e atento passarei
por elas como o seu criador

ali onde habita
o que ninguém


me encontro
e olho de frente
esse invisível






Coisas

Das coisas todas
espero o seu sinal

e aguardo
então que elas
estejam preparadas

solenemente à espera
de se despirem
para o meu
testemunho














Desperto

Desperto em tudo
uma  herança própria

dou vida ao real
e em mim o animo

e busco nele
tambèm a minha
múltipla essência




Rochedo

Sente no rosto
o vazio
como um corpo
submerso
pela água

colhe a sombra
que te refresca



sente viva a pedra
da falésia

no peito

cruza as tuas mãos
e louva

nesse altar
inesperado a
grandeza

que te leva
devorado.





Ausência

quando tudo está ausente
de tudo

sei que è o momento
próprio e cada  coisa
ganha  o seu nome

e o seu sentido
pedra água fumo
mesa

mulher homem criança
amor paz liberdade
esperança prosperidade




Mesa

Mesa centro rigoroso
da  sala vazia
equilíbrio da penumbra

de ti se erguem
colunas e sobre
elas o peso exacto
do tecto com a mais
 perfeita balança


Como um templo
antes  de eu entrar
na sala

para abrir a janela
para te olhar

ajoelho  e sò resigno

ès semelhante a justiça .


Mar

Mar imenso e pleno
como um campo raso

em tuas águas
se condena sem
julgamento

e sò tu ouves
a tua  privaria
voz

o teu orgulho


tem o poder de um deus
que perdeu o encanto

que jà não redime .





Rosto

Mergulhas o rosto na água
funda  e depois escutas
o seu centro

com paciência
ouvirás o desenho
do teu silêncio
e memórias indefinidas
ao teu ser


assim comunicarás
com todas  as coisas
como se houvesse
nelas um canto seco

e quando for silêncio
esse teu rosto
jà terá aprendido
a sua linguagem .





Vento

à beira rio uma criança
estava num jardim
a separar pombas dos melros
por causa do milho a cair
sob olhar atento das gaivotas

e o silêncio rente das andorinhas ,
no meio das folhas irrequietas
das   árvores


a criança  agarrou um papel
com palavras e imagens
que no meio do vento
me fugiu das mãos,

a criança pediu-me
que  fizesse daquela
página solta um avião
ou um barco,

disse -lhe faz tu ,
eu sò ajudo ,
não sei voar
nem navegar

a criança com a habilidade
e a imaginação, o coração
começou - se a abrir - se
como uma cor e a cabeça
fechou - se como uma
concha ,

no fim da história apareceu
a mãe a dizer a  criança
não estragues o poema
è desse senhor,

respondi-lhe foi o seu filho
que me ensinou a voar
e a navegar por um instante ,
foi ar que se nos deu,

não pertencem a ninguém
acaso ,vivacidade , sei là ,
a arte não tem dono,anda
por  aì ,ainda bem,amèn.




Ilumùrio

Cinco sentidos bailam
à cabra - cega e là no meio
um sexto , de olhos vendados ,
è o que vê melhor à noite ;

a sensibilidade , ainda um sétimo
- a arte - delimita o espaço invisível
com um círculo mágico em redor ,

começa a crescer um âmago

a partir do centro e a poesia
não mete medo , não come
sonhos , não cospe monstros ,
è uma vertigem muito alta

de água e luz ,pode ir  atè
sempre ,pode aninhar - se
na posição do feto dentro
dos nossos corações ,pode

transformar - se em pò
na manhã para voltar

a construir um jogo
sempre diferente:
vida amor e morte
- a pirâmide .




Folha Limpa

Folha limpa

Magoam - me casam - me os poetas
intocáveis , os depuradores de palavras
os  detentores de enigmas que apenas
consideram poesia o ilegível , o indizível ,
ou o inatingível segredo confinado pelos
seus deuses , privados e preciosos a
 visionários , iluminados  e abençoados
homens aquém dos outros ou fiéis aos seus.

No dia em que alguém me convença
de que  isso è verdade - espero não
estar vivo - farei o mesmo que Einstein
faria a sua forma antes de saber do seu
destino ; engulo o poema e abdico da
poesia .

O ser humano simples não è incompatível
com o ser profundo , não somos descendentes
de um mistério nem lhe vamos descobrir o
conteúdo  , todos os dias um livro grita
e pela frente há imenso caminho, toda
gente quer ser feliz nesta cratera , o
ultimo a sair deixe a porta aberta .



o tempo

escoa - se por entre os teus cabelos em ti as leivas as fontes as fontes e as sementes os mais secretos caminhos em ti as searas ainda futur...